Missões nas Cidades do Interior

Missões nas Cidades do Interior
 Plantar Igrejas para a Glória de Deus

Sérgio Paulo Ribeiro Lyra, DMin   [email protected]   Recife-PE – 2010

Pense Nisto!

            Meninos de rua. Favelas e morros. Violência urbana e tragédias dos guetos. Super população. Fome e prostituição infantil. Inércia governamental. Assuntos como estes são  geralmente citados quando se fala em missões urbanas, e a nossa mente logo associa tais problemas às grandes cidades. Não há como questionar que as grandes aglomerações urbanas produzem um número enorme de problemas, contudo, não é correto pensar em missão da igreja na cidade focalizando apenas os grandes centros. Há centenas de pequenas cidades no interior do nordeste que necessitam de uma ação missionária, poderíamos até dizer que há um verdadeiro clamor nas cidades do interior, principalmente quando este interior é do nordeste brasileiro.

            Durante 17 anos do meu pastorado me dediquei à realidade e às necessidades de igrejas plantadas na capital. Embora soubesse do trabalho feito pelos pioneiros, nunca me incomodou o fato de quanto fora investido por aqueles primeiros plantadores de igrejas nas cidades do interior. Na verdade, isto para mim pertencia aos livros de história, em particular à história da minha denominação, a Igreja Presbiteriana do Brasil. Porém, foi pastoreando uma das maiores igrejas do centro-oeste que descobri o clamor daqueles que habitam no interior. Sendo responsável pelo trabalho de plantação de uma igreja em um pequeno povoado chamado Baixios, no norte de Mato Grosso, fui impactado pela brutal diferença de vida e condições socioeconômicas existentes entre ser membro de uma igreja da capital e de uma igreja do interior. Ir para Baixios passou a significar ter que mudar de vida. Ao voltar para a cidade do Recife após 11 anos de Mato Grosso, fui mais uma vez atraído pelo fascínio da grande capital e de suas cidades periféricas. O interior voltou a ser “informações sobre o sertão”. Acredito que isto possa ter ocorrido com alguns outros líderes e pastores de grandes igrejas de grandes cidades. Sou do parecer que não se trata de uma consciente rejeição dos problemas do interior, mas o resultado de uma alienação daquela realidade, alienação que constrói uma verdadeira barreira, e que produz uma inércia perversa. Porém, o nosso Deus nunca é expresso com a figura de “Deus com os braços cruzados”, mesmo quando nós cruzamos os nossos. O meu despertar para as cidades do interior do nordeste brasileiro se deu através de um presbítero da minha igreja, coronel da Polícia Militar que passou a viajar a serviço pelas cidades do  interior de Pernambuco. Cada vez que ele voltava do interior, vinham com ele mais e mais informações e experiências em cores mais vivas, e às vezes chocantes. Ele visitava quase todo tipo de igrejas e campos desafiadores. Deus havia acendido novamente a paixão por fazer algo pelas cidades do interior.

Ao decidir pensar sobre plantação de igrejas, tendo como sítio de trabalho e análise as cidades do interior brasileiro, em particular a região pobre do nordeste, reconheço que o desafio não é mais uma questão optativa, mas sim uma questão de coerência entre fé e prática cristã. Neste pouco tempo que você decidir ler este artigo, procurarei chamar sua atenção para tirá-lo do estado de alienação e acomodação, a mesma me fez ficar inerte por três anos. Desejo ser para você uma voz profética a favor daqueles que vivem nas cidades do interior e ainda não ouviram a mensagem de Jesus, da mesma forma como a ação do meu amigo presbítero Edelry foi para mim.

Nossos Municípios

Quando se fala em município é preciso diferenciar quando se fala em cidade. Por exemplo: existe a Prefeitura da Cidade do Recife e a Prefeitura Municipal de Caruaru. Qual a diferença? A resposta é simples, quando nos referimos a um município, ali há uma área urbana, onde se localiza a cidade, e uma área rural (no caso de Recife não há mais área rural alguma!). O nosso foco aqui estará voltado para a área urbana dos municípios, que em alguns locais pode significar até alguns vilarejos. A grosso modo, para efeito de classificação, três perfis podem ser traçados para essas cidades do interior.

            a) Cidades Pólos

            Trata-se daquelas cidades do interior que praticamente refletem a realidade da capital. Bons exemplos são Petrolina-PE, Campina Grande-PB e Mossoró-RN. Apesar de serem de menor porte que as capitais de seus estados, oferecem univerdades, comércio e lazer diversificados, industrias, transporte aéreo e, via de regra, na área rural, ao seu redor concentram-se bons pólos de agroindústria, pecuária, etc. Nestas cidades pode-se identificar o “espírito do progresso” expresso através do uso de tecnologias avançadas, bons resultados econômicos, sem, contudo, significar diminuição do contingente pobre.

            b) Cidades Pobres

            O perfil destas cidades se caracteriza por certa estagnação sócio-econômica. Freqüentemente são cidadelas que conseguem sobreviver com atividades de subsistência, através de uma agricultura de risco, fruto da incerteza das condições climáticas, artesanato e pequenas atividades pastoris ou pequenos negócios. Ao se andar por estes aglomerados urbanos,  um senso de “precisa melhorar” é patente. Contudo, a mesmice, por ignorância ou mesmo por falta de opção, impõe o estilo de vida simples e pobre em praticamente todos os aspectos da cidade, das casas à sede da prefeitura, do posto médico ao cemitério, do “bar da pinga” à lanchonete da rodoviária.

            c) Cidades Perdidas

            Chamo de cidades perdidas não porque a possibilidade de restauração inexiste, mas porque tais vilarejos são completamente desconhecidos e esquecidos de quase todos. São apenas lembrados por aqueles neles residem, por alguns poucos geograficamente a eles ligados, e por uma pequena minoria que deles se lembram por laços familiares. A quantidade deste tipo de agrupamento no nordeste brasileiro não é pequena. Milhares e milhares de retirantes para a capital saíram dessas minúsculas áreas urbanas. Nesses municípios, os recursos tecnológicos são quase inexistentes, o serviço de saúde pública é ineficiente e agricultura é rudimentar e de sobrevivência. Ali tudo parece buscar “mudar de vida”. As cidades perdidas são a estampa da miséria, onde sobreviver é a questão, incertezas, sazonalidade do clima, “rezar para não sofrer mais…” e mortes prematuras são assuntos constantes.  

            Se a realidade socioeconômica da maioria daqueles que vivem no interior já nos corta o coração, o que dizer da chegada tardia do evangelho nesses lugares? Quem tem pregado o evangelho a estas pessoas? Quantas igrejas das cidades pólo têm atuado missiologicamente nas pequenas cidades do interior? Na verdade, a nossa constatação reflete uma realidade insustentável. Sem querer fazer nenhuma gradação de prioridade entre locais para se plantar igrejas, mas ao mesmo tempo se inquietando porque “os da casa” estão sendo esquecidos na distribuição dos obreiros e dos investimentos, não temos como negar que existem mais organizações para-eclesiásticas agindo nas cidades pobres do interior do que as igrejas metropolitanas. Para não sermos injustos, é preciso que se diga que grande parte do avanço do trabalho missionário que ali se dá, ocorre por causa das igrejas do próprio interior. Igrejas com poucos recursos, mas compartilhando dons, talentos e abençoados e abençoadores pregadores leigos.

Como se Faz Missão nas cidades do Interior Hoje?

Sempre entendendo missões, de acordo com a definição de Laussane, como evangelização e ação social, advogo que essas duas ações não são irmãs gêmeas, mas sim, verdadeiras irmãs siamesas, vitalmente inseparáveis, pois pulsam em harmonia com único coração, o coração de Deus. Despreocupando-me com o uso particular que porventura venha sendo feito por algumas instituições missionárias, os termos que aqui utilizo apenas denominam uma estratificação de quatro tipos de ações missionárias que ocorrem em nossas cidades do interior do nordeste do Brasil.

a)      Invasão

Talvez este seja o método “mais conveniente” para as igrejas das metrópoles, pois é de curta duração e investimento temporário. Não deixando de reconhecer que o Espírito de Deus age sempre de forma soberana e surpreendente, por outro lado não podemos nos curvar a qualquer metodologia que apresente deficiências sem propor melhorias, ao invés de simplesmente criticá-las e condená-las. Defino a minha classificação de invasão como a ação missionária da igreja que geralmente se caracteriza por mobilizar pessoas das cidades maiores para uma espécie de “mutirão evangelístico” em uma determina localidade. A proposta não é ruim, contudo, na sua grande maioria, o “invasor” nunca se vê como parte da realidade, onde irá ficar apenas por alguns dias. Recentemente um colega participou de um projeto deste e ao chegar comentou: “É doído demais! Há muito o que fazer por ali. Não sei se agüento ir uma segunda vez. É preciso fazer algo a mais”.  Note que a ação de invasão produziu um sentimento de “é preciso fazer algo mais” no participante, e isto é bom. Contudo, ao mesmo tempo, gerou um senso de inadequação e a dúvida de continuar voltando ao campo. Na verdade, a ação de invasão é boa para o cristão ao produzir um abençoado choque que quebra a barreira da alienação entre a cidade-pólo e a cidade-perdida. Mas, o que dizer da freqüente pergunta feita pelos que lá ficaram: “Quando é que vocês vão voltar?”. Na invasão, responder esta pergunta com a verdade é muito doloroso para os dois lados.

b)      Participação Financeira

Este tipo de ação diverge bem da proposta de invasão. Na participação financeira, geralmente o processo ocorre com a decisão da liderança da igreja, ou de um grupo de igrejas, com o objetivo de financiar um projeto missionário no interior. Nesta ação há também prol e contra. A princípio, a proposta produz a preservação da distância entre os membros da igreja mantenedora e a comunidade alvo do interior. Embora a decisão de participar financeiramente possa produzir um pouco de conhecimento da realidade do interior, dificilmente produzirá o incômodo e a inquietação, por mais efetividade que a ação de invasão normalmente produz, fruto do contato pessoal. Contudo, a bem da verdade, é preciso que se diga que tais parcerias se mostram tremendamente viáveis e acessíveis a praticamente todas as igrejas das grandes cidades. Certa vez, ensinando um grupo de plantadores de igrejas do Instituto Bíblico do Norte na bonita cidade de Garanhuns-PE, pedi aos alunos um projeto real para o campo onde eles estagiavam. Chamou-me a atenção um projeto de uma aluna, voltado para um vilarejo de aproximadamente 2.000 habitantes chamado Alto de São Francisco, perto da cidade de Lajedo-PE. Dentre os dados coletados naquele projeto estavam o perfil de uma pessoa “rica” do local:

Possui casa com 4 cômodos (sala,cozinha, quarto e banheiro dentro da casa);  e renda mensal de US 330.00 e tem bicicleta.

Pensando em um missionário local que já vivenciasse o perfil do seu público alvo, quão facilmente igrejas da capital e das cidades pólo poderiam abraçar um projeto barato como este, manter um(a) obreiro(a) e fazer uma grande diferença ali? Quantos irmãos e irmãs das igrejas metropolitanas não poderiam fazer algo ali e atingir literalmente a todos?

c)      Manutenção

Ao falar de manutenção, o meu foco se volta para as próprias cidades do interior. Sem objetivar criticar quem quer que seja, não podemos negar a visão quase míope de pastores e líderes, miopia esta que lhes limita apenas visualizar a manutenção do nível de trabalho que lhes foi confiado. É super óbvio que cada líder tem a responsabilidade de cuidar da sua comunidade, contudo, a “enfermidade de liderança” a que me refiro se caracteriza por produzir igrejas sonolentas ou ativistas, mas sem sonhos, sem pensar no tamanho do Reino e a obra missionária a elas confiada. A manutenção sempre pergunta: “Era sempre assim, e por que temos que mudar? Não está dando certo? A igreja não está em paz?” Deixe-me compartilhar uma conversa que ainda hoje me choca. Em um encontro com dois colegas pastores, ouvíamos o inconformismo de um deles que lamentava o estilo de pastorado-rotina (manutenção), ele estava insatisfeito como pastoreava e o seu desabafo sincero fazia com que eu começasse a me envolver emocionalmente com a sua crise. De repente, o outro colega fez três perguntas rápidas, e recebeu como resposta três “sim”; Eis as perguntas: “O conselho de presbíteros apóia você?; A igreja gosta da sua pregação?  Seu salário está em dia?” Ao ouvir os “sim”, concluiu: “Ah, amigo, deixe de agonia, relaxe! Você não tem problema algum!” Ele começou a ri e eu a lamentar. Independente da realidade da igreja local, o Senhor Jesus nos ordena a fazer muito mais do que manter (João 15:8), é preciso também sonhar com a expansão do reino de Deus. Milhões de pessoas residem nas cidades do interior. É preciso que os líderes reexaminem seus ministérios, sua comunhão com o Espírito Santo, e avaliem seus projetos missionários. É preciso chorar pelas cidades, assim como Jesus fez.

d)  Encarnação

            Eis aqui uma proposta a ser analisada com carinho e oração. O termo é utilizado para retratar um modelo que procura espelhar a opção que Jesus adotou por nós. Esta é a ação onde se busca vivenciar e abraçar a realidade de público alvo que vive no interior. Para isto acontecer, é preciso ter em nós o mesmo sentimento que houve em Cristo (Fl 2:5), é preciso renúncia e decisão de ir e abraçar a realidade que desejamos atingir com o evangelho de Jesus. Esta ação não dever ser vista como uma opção antropocentrista de evangelização, nem muito menos como uma atitude que permita negociar a doutrina ou barateá-la para se obter resultados. A opção pela identificação com aqueles a quem se prega implica em quatro atitudes: (1) Invadir o reino de trevas com a proclamação do evangelho, implantando os valores do Reino de Deus. (2)  Investir financeiramente viabilizando a ação. (3) Manter o que foi alcançado, congregando os convertidos na igreja e doutrinando-os na Palavra. (4) Expandir a partir do conquistado.

Como tornar essas ações viáveis? O que é preciso para isto acontecer? Se eu consegui levar você a pensar sobre isto, acredito que já atingi o meu primeiro objetivo.

 

Sonhando com missões nas cidades do interior do nordeste

Pessoalmente não creio que estamos distantes de um avivamento missionário no povo de Deus no nordeste brasileiro, levando o evangelho a milhões de nordestinos que ainda não conhecem a Cristo como o único Salvador. Como uma semente que germina e com o passar do tempo pode se transformar em uma frondosa árvore, acredito que o Senhor das missões está plantando muitas destas sementes. Uma delas, creio eu, foi o primeiro Congresso Nordestino de Missões em Caruaru-PE em outubro de 2002. Pelo menos em mim, a semente já possui caule e folhas, viçosas folhas desejosas de ventilar o surgimento de muitos frutos para a glória de Deus.

            Como minha contribuição singela, exponho aqui um  projeto que se fundamenta em seis aspectos a serem refletidos, discutidos, ampliados, remoldados e adequados na busca de se tornar uma base missiológica plantação de igrejas e elaboração de projetos de ações missionárias para as cidades do interior.

            1. Conhecimento do contexto

            Alguém pode pensar e dizer: “Quem já evangeliza na cidade do Recife pode evangelizar em qualquer outro lugar.” O que está por trás desta frase equivocada é que a capacitação recebida para alguém servir, trabalhar e evangelizar na capital, a capacita também para o interior. Afinal, pode-se achar que quem se preparou e serviu na cidade grande, não terá dificuldade na cidade pequena. Sou testemunha de acusação contra aqueles que assim pensam. Tenho verificado a imensa dificuldade de alunos do seminário que vindo de igrejas de médio porte e, aceitando convite para pastorear no interior, encontram muitas dificuldades por não fazerem a diferenciação dos contextos. Para fazer missão nas cidades do interior é preciso conhecer um pouco o interior. Como um começo para se conhecer o contexto proponho:

  • Uma visita da liderança a uma cidade onde haja um projeto funcionando, para conhecer e avaliar aspectos tais como: Quando e como iniciou; Qual o público alvo; qual o perfil e preparo teológico-missionário dos obreiros, quanto tempo investiu/investe; quais e quantos são os recursos; Quais as principais dificuldades do passado e do presente; etc.
  • É recomendável começar por uma cidade de aproximadamente 2 horas de distância (150 km). Isto facilita idas e vindas mais freqüentes e o atendimento dos imprevistos com mais facilidade.
  • É de extrema valia que um grupo de pessoas da igreja missionária plantadora planeje e passe alguns dias ou semanas na cidade alvo, com a finalidade de produzir experiência real.
  • Durante a estada conheça e levante o perfil local, ande pela cidade e converse com o povo e com as autoridades locais. Visite a prefeitura, a delegacia, o posto médico, a escola, etc. Planeje ficar durante o dia da feira, identifique como os problemas são sanados (subsistência, doenças, delinqüência, drogas, etc.). Identifique as realidades econômicas, políticas, sociais e principalmente a religiosa.
  • Ao voltar promova um fórum de discussão com a igreja, envolva mais pessoas, visualize parcerias, amadureça as idéias à luz da oração e da orientação do Espírito Santo.

            2. O perfil do missionário

            Eis aqui um assunto que merece nossa atenção redobrada. Permita-me lhe relatar um exemplo. Um colega de ministério estava participando de uma invasão missionária em uma cidade do interior e foi atraído para perto ao ver passar pela rua uma procissão da Igreja Católica a virgem Maria. Ao se aproximar, a senhora que liderava a procissão, sem o conhecer, lhe perguntou porque ele não participava. Ele ficou assustado e silenciou um pouco e então respondeu mais ou menos assim: “Vim para trazer um recado do filho da virgem Maria para esta cidade.” A mulher com quem ele falava parou a procissão, ajuntou as outras em sua volta e disse: “Pessoal, este moço aqui veio para trazer um recado do filho de nossa senhora”. O fato o deixou quase sem ação, mas o seu preparo e sua intimidade com a pregação do evangelho permitiram que ele superasse a surpresa e anunciasse a Jesus, nascido da virgem Maria, como Deus e Salvador. Treinamento para o campo missionário é uma área que necessita seriamente ser repensada. Jamais direi que os pobres necessitam mais de pão do que de Jesus, porém, também, jamais direi que Jesus não se preocupou com os problemas materiais das pessoas pobres. Freqüentemente tenho visto igrejas que de pronto recomendam a formação teológica (entenda como capacitação teológica para proclamação) ao descobrirem a vocação missionária de alguém que deseja sair da comunidade local para pregar o evangelho. No caso de pessoas chamadas para pregar nas cidades do interior, creio que algo a mais precisa ser dito e feito.

Após conhecermos a realidade e necessidades do cidade-alvo, considerando a realidade do nosso interior super carente de professoras, agrônomos, técnicos de saúde, médicos e veterinários e outros profissionais, sou do parecer que juntamente a pregação do evangelho, um ou mais profissionais missionários poderiam completar o perfil da equipe pioneira que vai chegar com a mensagem do evangelho. A nossa ação precisa enfrentar a realidade onde o evangelho será anunciado. É aí que vejo a extrema necessidade de termos os missionários fazedores de tendas, homens e mulheres como Áquila e Priscila, que abriam as portas da sua casa, servindo e pregando, divulgavam a preciosa mensagem do evangelho, e isto sem descaracterizar um milímetro se quer a ação e a necessidade de obreiros dedicados com exclusividade à Palavra e ao cuidado pastoral.

O que fazer? Proponho o encorajamento e a utilização dos membros de nossas igrejas para se envolverem com a proposta de atingir as cidades do interior e a criação ou adequação de escolas de treinamento local, onde aqueles que forem chamados pelo Espírito Santo para essa obra possam aprender a pregar o evangelho sem abandonar a sua profissão. A igreja que pastoreio já implantou esta proposta com muito sucesso. A escola tem o propósito de treinar teológica e missiologicamente profissionais cristãos para desempenharem ações missionárias pioneiras, e há boas notícias, homens e mulheres aposentados ou prestes a se aposentar estão sendo impactados pela idéia.

            Não posso deixar de reconhecer que dois aspectos que precisam, ainda, serem bem analisado. Pelo tempo, deixo apenas a identificação dos mesmos para reflexão e estudos posteriores. O primeiro aspecto refere-se a identificação do perfil de treinamento a ser oferecido àqueles que irão assumir as novas  comunidades onde o trabalho pioneiro florescer. O segundo aspecto pode ser chamado de estratégia de permanência, ao invés da opção de sempre enviar obreiros das cidades pólo para o interior, pode-se utilizar a realidade de cada cidade para dali identificar obreiros preciosos, treiná-los e entregá-los ao campo onde estão.

            3. Planejamento Estratégico

            O que se deve fazer? Como vamos fazer? De onde virão os recursos? Quais as pessoas envolvidas? Quanto tempo será preciso? Perguntas como estas não podem ficar sem respostas, quando se trata de se planejar uma ação missionária. Contudo, jamais optaremos por credenciar a estratégia como causa dos resultados. Por outro lado, também jamais concordaremos com aqueles que se valem de espiritualizações para encobrir a ausência de planejamento. Ao tomar conhecimento do contexto e tê-lo estudado com afinco e critério, muito pode ser planejado para o futuro de curto, médio e longo prazo. Se não planejarmos o treinamento, os meios, identificarmos e especificarmos os métodos, recursos e não estabelecermos metas e controles, podemos sofrer sérios reveses. O Dr. Russel Shedd muito bem afirmou que “o tempo de se fazer missões apenas com empolgação e sem suporte, acabou”. Planeje, mas sempre se lembre que mesmo podendo e devendo planejar, a última palavra será sempre do Espírito Santo de Deus.

            4. Contextualização

Nunca estarei cansado de afirmar que apenas as Escrituras Sagradas são inerrantes (sem erro algum), imutáveis (nunca precisarão de revisões ou acréscimos) e supra-culturais (estão acima daquilo que qualquer cultura admite ou exige). É preciso que se faça uma diferenciação entre costumes evangélicos (que podem ser até bons e recomendáveis) e doutrinas bíblicas. Isto permite que identifiquemos o que pode e o que não pode ser colocado sobre a mesa de negociação. Deixe-me dar um exemplo. Em um domingo pela manhã do verão nordestino eu e Jamile, minha esposa, voltávamos da cidade de Garanhuns onde havíamos passado uma semana ministrando para os alunos do curso de plantação de igrejas. Ao passarmos pela cidade de São Pedro, diminuindo a velocidade por causa dos quebra-molas, me deparei com algo que chamo de tradição descontualizada. Do lado direito do carro ouvi o canto de um hino, que me era bem conhecido, vindo de um pequeno templo à beira da rodovia. Coincidência ou não, era uma igreja presbiteriana. Diminuí tanto a velocidade que quase parei o carro no acostamento. Vi na igreja umas 15, no máximo 20, pessoas ali, inclusive algumas de paletó e gravata (o calor estava de matar). Ao olhar para o outro lado da rodovia fui tomado pelo espanto. Estava ali, bem ali na frente da igreja. Pensei tão alto que gritei: Está ali! O casal de estudantes que voltavam conosco, e estava no banco de trás, assustado perguntou: “Quem pastor? Quem?”. Ri um pouco e mostrei como a feira parecia um verdadeiro formigueiro em alvoroço. Pessoas fervilhavam de um lado para outro, mas o relógio marcava 9:45, era hora da escola dominical. Quem imaginaria a igreja poder estar na feira naquele horário? (Para a maioria dos evangélicos brasileiros, 9 horas do domingo é hora sagrada e inegociável). Pergunto: Quanto poderia ser feito naquela feira em prol do evangelho? Quantas pessoas não poderiam ser duplamente atendidas? Contextualização significa anunciar uma antiga e inegociável mensagem em outra roupagem adequada ao contexto. Contextualização é rejeitar a tentação de propagar franquias denominacionais e plantar “igrejas iguais” na capital e no interior como se as realidades, situações, e principalmente as pessoas, fossem as mesmas. Contextualizar significar viver e aplicar os princípios do  evangelho onde chegamos como cristãos, sem impor ao que nos ouvem nossos costumes e preferências. Contextualizar significa entender o salmo 24 em todas as suas extensões e viver coerente com a fé que, de fato, TUDO pertence ao nosso Deus, e uma vez moldado e orientado pela sua Palavra, fazer TUDO para a Sua glória.

5. O Uso de Parcerias

Não é o ideal que as igrejas só consigam ser parceiras missionárias através de instituições para-eclesiásticas. Não é o bastante contentarmo-nos com “igrejas ricas” investindo financeiramente em “igrejas pobres”. Advogo a idéia de que as parcerias devem produzir aproximação de pessoas cristãs o máximo possível, promovendo a troca ministerial de dons e talentos naturais. Fomos criados para viver em comunhão com Deus e uns com os outros. Em parte, creio que este aspecto da koinonia precisa ser adicionado aos projetos de parcerias atuais e aos que estão para ocorrer.  Porém, há algo a mais a ser buscado em parceria. Se por um lado não é difícil ver igrejas de uma mesma denominação unidas em prol de um projeto missionário (digo que este é o primeiro e mais fácil nível de parceria), por outro, estas parcerias não resolvem a inaceitável intenção de expansão denominacional, como proposta missionária (“cidade sem uma igreja da denominação é sempre cidade-alvo”). Identifico aqui um aspecto que precisa de reflexão e estudo, a elaboração de parceria com porte e amplidão muito maiores, sem renunciar àquelas do nível primeiro. O que fazer com as centenas de áreas urbanas do interior do nordeste que possuem menos de 5% de evangélicos? Até quando não trabalharemos unidos como igrejas em parcerias missionárias? Até quando desobedeceremos ao pedido de Jesus em sua oração sacerdotal (João 17:21)? Não se trata de ecumenismo doutrinário, fusão sem critério ou proposta para “aumentar a massa e “fazer pressão”. Sabemos muito bem com quem podemos compartilhar nossa fé em prol do evangelho. Fica aqui registrado o meu grito e apelo: É preciso mudar e se irmanar, é preciso parcerias missionárias mais amplas.

6. Recursos a Mais

Certa vez em uma escola dominical da nossa igreja, falávamos em classe única sobre projetos de ação social. Ao terminar minha palestra uma professora que estava nos visitando, pediu a palavra. Eu a conhecia, o que não sabia era que ela trabalhava em um órgão governamental que liberava recursos para instituições sem fins lucrativos. Ela expressou estar muito feliz ao ouvir os projetos intencionados pela igreja e disse (aqui está a minha surpresa): “Temos verbas para dar em parcerias com projetos como estes que vocês estão falando aqui. Meu trabalho é buscar instituições sérias”. É claro que não basta ser uma igreja e ter um bom projeto e os recursos surgirão, essas parcerias exigem outros requisitos, mas o fato de uma igreja ser uma pessoa jurídica séria e ter um projeto viável, abre algumas portas que nunca pensamos existir. Fora das parcerias com órgãos públicos, há boas alternativas com ONG´s e também com a iniciativa privada. Note bem, não se trata de pedir dinheiro, mas de se caracterizar como uma sociedade confiável que pode receber verbas de outras instituições também idôneas. Ao se falar em buscar recursos fora da igreja, outra face precisa ser mostrada. Por detrás de toda ação missionária, há sempre uma plataforma, e para mim, tal base precisa sempre ser dar toda a glória para Deus. É preciso denunciar e rejeitar em alto e bom som dois perigos.

O primeiro está relacionado com qualquer proposta ou tentativa de ação que se alie com os pressupostos da teologia do evangelho social, ou de qualquer teologia que defenda, apóie ou promova uma missiologia antropocêntrica. Nossa visão não é tornar a igreja um departamento de ação social, nem de longe apenas motivar a igreja para se envolver com a solução das necessidades materiais, que sabemos serem urgentes em muitas nas cidades do interior. Contudo, ignorar a realidade pobre e doída do nosso povo sofrido das cidades perdidas é, sem sobra de dúvida, pecado! Reafirmo a proposta de John Stott, “evangelização e ação social são dois braços da mesma missão”.

O outro perigo é a manipulação política. Quando ampliamos o nível de nossa ação em uma cidade ou quando recursos de órgãos públicos estão envolvidos, a variante política, via de regra, irá surgir, pois toda ação séria chama a atenção. Creio que é preciso encarar e discutir este aspecto político com serenidade e não com paranóias. A igreja como instituição nunca deve ser partidária, porém isto não significa que o povo missionário de Deus deva ser uma voz política ausente. Como igreja, somos e devemos sempre ser reconhecidos como uma voz a favor da justiça, um povo que aplaude o bem e denuncia as injustiças, como preceitua as Escrituras. Sem negociatas ou conchavos do tipo “toma-lá-dá-cá”, é possível dialogar e conviver com o contexto político no interior sem se deixar contaminar por aquilo que de maléfico nele exista. O profeta e líder Daniel e os jovens Misael, Ananias e Azarias (Dn 1) são bons exemplos disto.

Lançando as Bases de um Centro de Plantação de Igrejas

Os meus estudos sobre a ação missionária das igrejas metropolitanas e a realidade das cidades do interior nordestino, me incomodaram a elaborar um esqueleto missionário de uma proposta que pode servir, não apenas para atingir as pequenas cidades do nordeste brasileiro. Se eu consegui fazer você ler até e se interessar por essa proposta, então eu consegui o meu segundo objetivo.

Estou consciente que muito tem ainda para ser analisado e feito, contudo, estou plenamente convicto de que, às vezes, parece que desejamos reinventar a roda. Não porque desejemos ser originais, mas por falta de humildade para aprender com os outros, ou por ignorância do que foi e já tem sido feito. Para o problema do orgulho, o remédio continua o mesmo: arrependimento e confissão de pecado. Para o segundo, acredito que será necessário romper o nosso isolacionismo missionário. Para tanto proponho a formação de um centro de plantação de igrejas para as cidades. São idéias apenas como um fomento do que pode vir a ser algo bem mais abrangente e efetivo.

(a) A Idéia do Centro de Plantação de Igrejas

O centro se caracterizaria como um concentrador de informações e planejamento funcionando como facilitador das ações missionárias das igrejas metropolitanas. Seu funcionamento será o de coordenador estratégico, servindo de ponte entre dois mundos: O lado cristão de recursos para o Reino de Deus, e o lado daqueles que precisam ouvir a mensagem do evangelho. O centro ajudará a prover uma estratégia para atender as necessidades de pessoal e recursos materiais necessários para implementar a plantação de igrejas nas cidades do interior ou de uma região, informar e produzir redes de oração pelos campos, e disponibilizar: (1) Material literário de evangelização e discipulado adequados e contextualizados. (2) Dados estatísticos e levantamento de necessidades de cidades alvo para consultas e projetos; (3) Aglutinação de igrejas no projeto de plantação, bem como de informações e experiências sobre ações missionárias eclesiásticas, para-eclesiásticas e diversas ONG’s. (4) Consultoria na elaboração de projetos de plantação; (5) Balcão de obreiros missionários. (6) Treinamento específico e final focalizado no “alvo-projeto”,  para plantadores e mantenedores; orientação e curso de reciclagem para pastores e igrejas. (7) Viabilização de programas de parcerias entre igrejas, troca de informações e intercâmbio de atividades, visando as cidades mais carentes do evangrelho. (8) Captação de recursos materiais e financeiros para projetos de plantação de igrejas.

(b) Instalação do Centro

Para a instalação inicial do centro se faz necessário viabilizar uma parceria de igrejas metropolitanas que além de cobrirem os gastos necessários (coordenador do centro, viagens, computador, internet, etc.), seriam também as primeiras igrejas enviadoras de obreiros. Para o início de funcionamento do Centro de Plantação de Igrejas como órgão aglutinador e otimizador dos recursos materiais e mão de obra missionária, o primeiro passo será a escolha de um coordenador, de preferência com dedicação exclusiva, mantido pelo pool de igrejas que compõem o Centro.

(c) Catalização de Parcerias

Partindo da plataforma que a maioria de nossas igrejas não possui know-how, material humano treinado e até recursos para empreender uma ação missionária em outra cidade, em particular no interior, tal constatação não pode simplesmente gerar uma inércia explicável. Uma das funções do Centro é viabilizar a conexão de igrejas, recursos e projetos, facilitando o estabelecimento de parcerias que potencializam o começo e a manutenção de um novo trabalho. Isto também significar contatar plantadores de igrejas, que já estão em atuação, compartilhar experiência, discutir estratégias, etc. Além das parcerias igreja-igreja, o centro poderá viabilizar parceria com instituições de preparo missionário, ajudando-o na formação de plantadores de igrejas e na formação das equipes de plantadores.

(d) A Criação de um site/blog missionário das cidades alvo

É muito importante democratizar as informações com o propósito de divulgar, compartilhar experiências e projetos, estudos, escolas de treinamentos, fóruns de debates online, etc. Uma das primeiras ações do Centro deverá ser a criação e manutenção da sua página Web, tornando-a um excelente e relevante portal missionário.

(e) A elaboração de cursos intensivos

Outro tação do centro deve ser a viabilização de cursos do tipo itinerante para reciclagem e ou capacitação de pastores, líderes de igrejas, obreiros leigos e profissionais cristãos, focalizando aspectos missiológicos e eclesiológicos regionais, lançando mão dos recursos humanos existentes nas igrejas participantes do Centro de Plantação de Igrejas.

(f) Produção de um jornal missiológico virtual

A proposta deste jornal produzido pelo Centro precisa ser muito mais do que um instrumento  informativo. Seu propósito maior será o de enriquecer doutrinária e teologicamente a igreja, despertar vocações, aglutinar e difundir idéias, e também indicar áreas de necessidades com detalhes. Sua circulação deverá, também, ocorrer nas regiões do pais, para eliminar a alienação e desconhecimento dos problemas vivenciados nas cidades alvo. Este jornal seria 100% viável, iniciando-se através de edições eletrônicas via e-mails.

(g) Viabilização de ações sociais

Embora o Centro não tenha a proposta de ser empreendedor de projetos de ações sociais, ele deverá assumir o papel de ajudar igrejas a implementarem ou se envolverem em projetos sociais. Conhecendo a realidade e as necessidades das cidades alvo, o Centro poderá servir de ligação entre: A igrejas locais; igreja e uma cidade;  igreja e uma ONG; igreja e um prefeitura, etc. e coordenar uma relevante atuação do povo de Deus na área social.

No começo deste artigo, afirmei que Deus estava reacendendo o ardor missionário entre o povo evangélico do nordeste brasileiro. Isto me tem feito sonhar, e sonhar tão alto quanto altos são os propósitos do reino de Deus. Creio que é chegada a hora de sermos a voz que clama no nordeste.