O MINISTÉRIO URBANO DE JESUS E A MISSIO DEI

Definindo Nossos Termos

 

Considerando-se que a adequada compreensão dos termos é fator fundamental para que a boa compreensão aconteça, optamos por oferecer uma breve abordagem sobre o significado de missões, missiologia e Missio Dei. É bem verdade que muito já se tem escrito sobre o assunto, todavia desejando que o conceito que utilizamos possa ser homogêneo, optamos por definir o que queremos expressar com esses termos.

 

Missio Dei

Esta é uma expressão em latim que significa Missão de Deus. Através da revelação especial, a Bíblia, Deus é conhecido como o Deus Criador, Senhor e Soberano sobre tudo e todos, cujos desígnios jamais podem ser frustrados. Deus é sempre autor de obras acabadas, tudo o que Ele determinou na sua Palavra já aconteceu ou certamente irá acontecer, e isto é uma verdade que permeia toda a Bíblia. Quando percebemos que a obra de restaurar toda a criação tem sua origem no próprio Deus, entendemos que tal missão é Missio Dei. Daí, descobrimos que o chamado, a capacitação e a motivação missionários têm, também, suas fontes no próprio Deus (Jo 17:18). O início da ação missionária de anunciar a mensagem e salvar o pecador pela fé parte do coração de Deus, o qual anunciou e enviou o seu Filho Jesus. Este, por sua vez, rogou ao Pai que enviasse o seu Espírito, e é o Espírito Santo que hoje chama, regenera, santifica e capacita a igreja para enviá-la ao mundo com uma missão. Se a missão na qual estamos envolvidos é Missio Dei, então pelo menos cinco implicações surgem de imediato:

 

  1. Ela não pode ser abortada – Trata-se do plano divino traçado na eternidade e trazido à execução no tempo pleromático – pleno e perfeito.
  2. É Deus quem chama e capacita – Todo plano de salvação do ser humano pecador surgiu do coração de Deus. Tendo Ele enviado seu Filho ao mundo, através de sua obra, escolheu homens e mulheres que a Ele vêem através da chamada do Espírito Santo, e são então justificados, regenerados, convertidos e santificados para receberem parte na missão e gozarem eternamente do Seu Reino.
  3. A soberania divina é que determina os resultados – Ao contrário do que muitos pensam, o resultado das missões não pode ser medido por números ou estratégias missionárias, ou ainda atribuídos apenas ao esforço e trabalho dos missionários. Se a missão é Missio Dei então, é o cristão que planta a divina semente. Há a responsabilidade humana de todo cristão ir e pregar, e a do não cristão que ouve, de crer, mas é sempre Deus que fará a semente do evangelho germinar, crescer e produzir frutos.
  4. Implica em devoção e sacrifício – Isto nos leva ao paradoxo que existe entre a soberania divina e a responsabilidade humana. Ações particulares da missão de Deus foi por Ele confiadas aos seus servos e servas. Ao sermos por Ele capacitados e termos recebido o mandato missionário (Mt 28:18; At 1:8), de cada crente é esperado fidelidade, presteza, dedicação, devoção e decisão de pagar o preço. Ser participante da missão de Deus é uma tarefa que vale pena viver e morrer por ela.
  5. A Igreja é a sua única agência mssionária – A estreita relação de ser igreja de Jesus e ser enviada por Jesus nos moldes de sua própria missão (Jo 17:18), é vista como insolúvel, pois não existe nenhuma outra igreja senão a Igreja enviada ao mundo e não há outra missão a não ser a da Igreja de Cristo. A Missão da igreja não pode ser terceirizada.

 

Missiologia e Missões

No propósito de identificar o campo de ação e se estabelecer a missiologia como ciência teológica, vários estudiosos começaram a produzir reflexões e definições. Abraham Kuyper advogou a missiologia como a ciência que deveria estudar os melhores métodos para produzir a conversão dos não cristãos. Kuyper disse que a tarefa missiológica era prosthética, ou seja, a tarefa dada por Deus ao seu povo visando produzir a adição dos salvos na igreja de Cristo. Teólogos como Bavinck, Verkuys e outros, continuaram a solidificar a missiologia como disciplina independente da teologia sistemática, mas essencial e com fundamentação nas Escrituras, definida como parte integral da revelação da salvação em Cristo. Eles afirmaram que a Missiologia não poderia ser considerada apenas um sub-item da eclesiologia na teologia sistemática.

Nos nossos dias, vários teólogos tem produzido abundante literatura acerca da missiologia, tanto definindo-a como submissa à teologia, quanto interligando-a com diversas outras disciplinas, principalmente com as ciências sociais. Charles van Engen enfoca muito apropriadamente a necessidade de uma compreensão sadia da teologia de missões e a necessidade imperiosa de se ter a missão de Deus – Missio Dei – como ponto de partida para a missiologia. Esta idéia não é uma idéia nova, John Eliot missionário entre os índios americanos e o conhecido teólogo reformado Richard Baxter, ambos do século XVII, afirmaram nos seus escritos que há três elementos de missões: (1) Deus é o soberano Senhor de missões; (2) Ele se utiliza de meios para atingir a redenção do homem e; (3) O homem é responsável por aceitar ou rejeitar o evangelho. Mas, é Charles van Engen que apresenta a missiologia como uma disciplina que tem o seu foco em Cristo e na sua missão, ambos frutos da soberania de Deus e ligados à teologia.

 

Entendendo que não é a teologia que gera o fervor missionário na Igreja, descobrimos a verdade que a fonte motivacional é o próprio Deus, o Senhor da Igreja e autor das missões. Ele concede a sua Igreja dons, vocações, visão da obra, perseverança e destemor para cumprir a missão que é, em primeira instância, sua. Isto significa que a missão nasceu no coração do próprio Deus e, portanto, na eternidade. Esta verdade, porém, jamais pode servir de degrau para apoiar aqueles que defendem a dispensa da reflexão teológica para se planejar a estratégia de missões na igreja urbana de hoje. Se cremos que teologia não é apenas confissões, credos, declarações conciliares e tratados doutrinários, mas também diz respeito a perscrutar, sob a orientação do Espírito Santo, a vontade e o agir de Deus revelados por sua Palavra (Rm 8:14; I Co 2:13-16), podemos lançar mão dos princípios bíblicos, os quais dão direção às atividades da Igreja pelas Sagradas Escrituras. Assim agindo, a teologia sempre estará presente na elaboração de qualquer estratégia de evangelização, seja ela transcultural, rural ou urbana. Esta é a razão pela qual David Bosch afirma que “nenhuma missiologia é possível sem teologia.” Ao unirmos os termos, associando o conceito de missio Dei à definição de missões e à missiologia, poderemos definir o todo da seguinte forma:

 

Missões é o povo de Deus intencionalmente cruzando barreiras da igreja para a não igreja, da fé para a não fé, proclamando pelas palavras e atos a vinda do Reino de Cristo. É tarefa de planejar, avaliar e implementar a participação da igreja na missão de Deus, que deve ser entendida como determinação divina de reconciliar as pessoas com Ele, com elas mesmas, umas com as outras e com o mundo criado, reunindo-as na igreja através do arrependimento e fé em Cristo. Tal ação se concretiza através da ação restauradora e soberana do Espírito Santo, com a proposta de transformar o mundo como sinal do Reino de Deus que já chegou por Jesus.

 

Jesus e a Missio Dei nas Cidades de Hoje

 

Os escritores dos Evangelhos ao apresentarem a ação ministerial de Jesus entre nós, não deixaram de registrar que tal ação tratou-se, basicamente, de um ministério em um contexto urbano. Jesus nasceu dentro de uma cidade, foi criado em outra e desenvolveu sua pregação aos habitantes das vilas e cidades judaicas. Sua ênfase foi claramente dirigida às cidades, seu ministério foi urbano (Mt 8:34; 9:1,35; Mc 7:31; Lc 10:10), e isto é muito adequado para nós, considerando o movimento urbanizador e urbanizante que vivemos.

Profecias e Começos

Não há dificuldades em afirmar que Jesus, ao se encarnar, optou por ser um homem-da-cidade. O Profeta Miquéias anunciou que o messias nasceria na cidade de Belém (Mq 5:2). Como se não bastasse, o profeta Isaías profetizou que ele seria conhecido como um habitante da cidade de Nazaré – Jesus de Nazaré – fato que Mateus faz questão de registrar em seu evangelho (Is 11:1; Mt 2:23). Jesus conhecia bem o modus vivendi da cidade. Em seus trinta primeiros anos, viveu e aprendeu a plena realidade urbana de sua época, até na opção pela profissão de ajudante de carpinteiro, típica de um contexto citadino. É também interessante o fato de que Jesus, ao iniciar o seu ministério, decidiu mudar de cidade, saindo de Nazaré. Assim, antes de chamar os seus doze discípulos, ele foi morar em Cafarnaum, cidade que ficava na “Galiléia dos gentios”, desta forma conhecida por estar rodeada de gentios e ser a única região que estava em contato com idéias não harmonizadas com o judaísmo religioso, o que não deixou de ser um indicativo do seu propósito de mostrar o evangelho abrangente, além dos judeus. E mais, a Galiléia era a parte mais populosa da palestina. Barclay registra que aquela região possuía cerca de 204 grandes vilas, com no mínimo 15.000 habitantes cada. Mais uma vez, a opção de Jesus por uma cidade refletiu o anúncio profético: “…Deus, nos primeiros tempos, tornou desprezível a terra de Zebulom e a terra de Naftali, mas nos últimos, tornará glorioso o caminho do mar, além do Jordão, Galiéia dos gentios” (Is 9:2). E Mateus ratifica: “E, deixando Nazaré, foi morar em Cafarnaum, situada à beira nos confins de Zebulom e Naftali; para que se cumprisse o que fora dito pelo profeta Isaías…” (Mt 4:13-14).

 

João registrou o primeiro sinal do ministério de Jesus feito em uma casa, na cidade de Caná, durante a celebração de um casamento (Jo 2:1-11). Lucas também começou o seu relato mostrando o início do ministério de Jesus através da cura de um endemoniado em Cafarnaum (Lc 4:31). Os escritores sagrados mostraram o Senhor vivenciando todo o contexto da vida citadina, ele visitou casas de enfermos ricos e pobres (Mt 8:14; Mc 5:38-41), pregou em reuniões domiciliares (Lc 5), interviu com restauração em um enterro na cidade de Naim (Lc 7:11-15), opinou quanto a questões políticas etc. O começo ministerial de missão de Jesus refletiu apenas um pouco do intenso ministério urbano que ele viria a desempenhar.

 

O Ministério Urbano de Jesus

A opção de Jesus pelas cidades não significou que o seu ministério só era exercido dentro das cidades. Jesus não visava atingir apenas os que moravam nos centros urbanos, ele buscava pessoas. Ora, as cidades eram os locais onde elas estavam em quantidade, daí a sua estratégia prioritariamente urbana. Contudo, se faz necessário notar que Jesus também desejava a transformação das estruturas injustas da cidade. Ele condenou o descuido com os pobres; rejeitou a “lei da cerca” estabelecida pela hierarquia religiosa hipócrita dos escribas e fariseus; ordenou o pagamento de impostos; e muitas outras atitudes peculiares do contexto urbano. Tudo isto sem mencionar sua constante intervenção nas estruturas perversas que privavam o povo simples do acesso aos meios de melhoria na saúde, alimentação e ajuda espiritual. Tal atuação se contrapõe à interpretação de muitos teólogos do grupo evangelical, principalmente dos chamados fundamentalistas, que tendem a centralizar a teologia na obra de Deus para salvação espiritual do homem. A própria história é testemunha daqueles que ao se preocuparem apenas com a salvação individual, produziram uma alienação social ao reduzir o pecado como mal inserido apenas no indivíduo. Ao se estabelecer que “o mal de uma cidade é composto pelo engrandecimento pessoal, auto-indulgência, injustiça social e idolatria”, seria ingênuo pensar que a conversão de pessoas na cidade automaticamente produzirá a restauração urbana. Se os sistemas que a controlam não forem impactados com os valores do Reino de Deus, não haverá transformação efetiva, e isto não passou desapercebido no ministério de Jesus.

 

O Desafio da Tentação

Antes do efetivo início do seu ministério, Jesus foi levado pelo Espírito para fora da cidade, onde orou, jejuou e foi tentado por Satanás. No desenvolver da tentação, o diabo conduziu Jesus de volta à cidade. Mesmo sabendo que há teólogos que defendem a interpretação de que a tentação foi interna, mental-espiritual e não fisicamente externa, o cerne urbano ainda persiste. Jesus é levado ao ponto mais alto do templo (Mt 4:5), que na mente ou de fato, não poderia deixar de estar associado à cidade de Jerusalém. Tal fato nos leva à idéia de que Satanás estava desejando derrotar a Cristo no mesmo local onde o véu seria rasgado, local onde se daria a grande vitória do Messias: o lugar santo da cidade de Jerusalém – o templo. Deste evento é possível deduzir que o local de tentação da igreja é a cidade, e mais propriamente, no local onde a igreja vive e adora a Deus, pois pelo Espírito Santo, os eleitos são agora o templo de Deus. Em frente do desafio diabólico ao espetáculo, “se és cristão, onde estão os feitos sobrenaturais?” (Mt 4:5-6), o viver pela fé ainda é o grande desafio que as missões urbanas precisam enfrentar.

 

Satanás sabia que Jesus era o enviado de Deus, enviado este que reconquistaria todos os reinos. Na busca perversa de um caminho mais ameno e fácil do que a cruz, ele mostrou a Jesus os reinos e lhe ofereceu o domínio sobre as suas cidades (Mt. 4:8-9), cidades estas que não eram propriamente suas, embora estivessem sob o seu controle. Jesus, ao rejeitar todas as ofertas diabólicas, ordenou que Satanás se retirasse (Mt 4:10). O Senhor era conhecedor que somente uma perfeita submissão à vontade do Pai seria efetiva e eficaz. Jesus antevia que as cidades e reinos só seriam resgatados da tirania do pecado, quando a sua vitória sobre o pecado e a morte fosse consumada (Ap. 19:6-7; 21:2). A cruz era o único caminho, reinos apenas voltariam ao ideal de Deus quando “só a Ele adorar e só a Ele se der culto” (Mt. 4:10). Foi depois da sua ressurreição que Jesus informou aos seus discípulos: “Toda autoridade me foi dada…” (Mt 28:16), as cidades estão agora sob o seu poder. Mas uma alerta persiste: a tentação de executar a missão na cidade sem a cruz, sem um preço a ser pago, continua sendo oferecida por Satanás à igreja.

 

Missionários Urbanos a Semelhança de Jesus

Embora Jesus tenha pregado em diversas cidades como Cafarnaum, Nazaré, Betânia, Jericó e outras, seu propósito final era Jerusalém, a cidade de Davi, a cidade da paz que deveria preconizar o ideal de Deus. É nela que ele entrou com as honras de rei, e com palmas, saudações oferecidas aos generais romanos vitoriosos (Lc 19:28-40). É em Jerusalém que Jesus enfrentou os poderes estabelecidos, tanto o religioso quanto o institucional. É a mesma Jerusalém que ele quis aconchegar com afeto materno (Mt 23:37), é nela que com ele se repetiu o mesmo destino dos profetas (Mt 23:34). Sua morte se deu fora da cidade, mas o impacto causado não deixou o ambiente urbano sossegado. Guardas foram deslocados para o sepulcro, discípulos se trancaram com medo, a cidade se contorceu em comentários que depois se transformaram em silêncio. Porém, o silêncio logo seria quebrado pela notícia da ressurreição. Jerusalém voltava a ser atingida por Jesus, a notícia alvoroçou a cidade e seus líderes mais do que nunca. Em Jerusalém o Messias acabava de reconquistar o poder sobre tudo e todos. Foi ali, também, que o Cristo ressurreto e Senhor absoluto, soprou o seu Espírito sobre seus discípulos (Jo 20:22), e lhes comissionou a mesma missão que fora sua, “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20:21). Estava assim estabelecido o paralelo do ministério urbano de Jesus com a delegação de responsabilidade aos que foram, e dos que agora são missionários de Deus. Em conseqüência disto, poucos dias depois não apenas os apóstolos, mas toda a igreja produziria o início de uma era das mais intensas missões urbanas. É nessas mesmas bases e condições de chamado, restauração, capacitação e envio que se faz necessário pautar a teologia que regula a prática missionária. Uma advertência necessita ser feita quanto à a aplicação da estratégia urbana claramente demonstrada no Novo Testamento. Não se pode excluir a responsabilidade missionária da igreja fora do ambiente de uma cidade. Pregar as boas novas do Reino de Deus a todas as etnias não alcançadas, continua a desafiar a igreja. Porém, de uma vez por todas, missões não podem mais ser entendidas como tarefa apenas para poucas pessoas em lugares distantes, as cidades são hoje os grandes desafios missionários do século XXI.

Rejeição e Juizo sobre as cidades

Apesar de Jesus ter optado, com misericórdia e graça, atingir as cidades com o evangelho de Reino de Deus, a Bíblia não deixou de registrar o justo juízo para aquelas

cidades, que tendo ouvido sua mensagem, se apresentaram recalcitrantes e rebeldes. A título de exemplo, pode-se citar Nazaré, que ficou apenas com algumas poucas curas (Mc 6:1-6), Cafarnaum que receberá juízo mais severo do que Sodoma e Gomorra (Mt 11:24), e também a própria Jerusalém, sobre a qual foi decretada a destruição (Lc 21:20). A rebeldia da cidade suscita as duras penas da justiça de Deus, o qual não compactua com a impiedade nem com a idolatria (Rm 1:18-20). A Missio Dei para um contexto urbano, reflete assim um duplo aspecto. Ao mesmo tempo em que o Pai enviou Jesus como o restaurador tanto do indivíduo quanto das estruturas sociais, ele, também, tem como seu propósito final, resgatar a dignidade da vida em cidade restaurando as suas estruturas organizacionais tanto no aspecto vertical – homem e Deus, quanto no horizontal – homem com o homem. Tal ação convida a igreja a uma missão participativa, integral, pois não isenta os cristãos de suas responsabilidades pessoais como cidadão. Cidade arrependida é cidade perdoada (Jn 3:10; Mt 11:21). Cidade impenitente, inflexível e perversa, é rejeitada e julgada (Lc 10:13-16).

Aspectos Práticos da Ação Missionária Urbana de Jesus

 

Não há como estudar aspectos do ministério de Jesus e não identificar a sua total obediência ao Pai. Em todos os aspectos ele sempre deixou bem claro que o seu propósito era fazer a vontade divina. Isto nos coloca na mesmíssima proposta, pois se recebemos dele a missão-privilégio de expandir o Reino de Deus pela pregação e prática do Evangelho, então, sobre nós pesa uma inegociável ação por obediência. Assim, imitar a Jesus como modelo missionário é tarefa-responsabilidade de todo cristão, não importa onde. É por isso que não podemos aceitar um cristão que não é missionário, pois sendo Jesus o missionário perfeito de Deus, nós também fomos comissionados para a mesma missão. Em suma, se somos cristão, temos missão, e esta implica em ir, pregar, viver e fazer discípulos de Jesus em todos lugares.

Para tornar prática as argumentações e formulações o que aqui já expusemos, pinçamos quatro exemplos do Mestre-modelo que devemos imitar, em particular aqueles que julgamos bem relacionados ao ambiente urbano.

 

Missionários Urbanos em 30 Minutos

Dois exemplos saltam aos nossos olhos. O primeiro é o relato do endemoninhado da cidade de Gadara (Lc 8:26-39). Sabedores que o Mestre o libertou de uma legião de demônio, a nossa atenção recai sobre o pedido daquele homem para ser um discípulo, um “seguidor de tempo integral” de Jesus (Lc 8:38). Em nossas igrejas, qualquer novo convertido que pedir autorização para ser um pregador, será recomendado a esperar um pouco, freqüentar a igreja, assistir várias aulas de doutrina etc. Todavia, a atitude de Jesus surpreende a todos, e em particular a nós, pastores. Pasmem! Jesus negou o pedido de ter aquele homem como seu discípulo junto a ele. Isto mesmo, o Senhor ao invés de permitir tê-lo em sua companhia e aprendendo a sua doutrina, optou por transformar o novo convertido em missionário em apenas 30 segundos. Eis as palavras do Mestre: “Volta para casa e conta aos teus tudo o que Deus fez por ti…” (Lc 8:39). Poderíamos pensar que ele seria um missionário fiasco, afinal seu preparo teológico foi quase zero. Porém, o relato bíblico nos revela que ele anunciou “por toda a cidade, todas as coisas que Jesus lhe tinha feito” (Lc 8:30 – itálico meu). Note bem, a verdade bíblica aqui apresentada é que a responsabilidade de falarmos de Cristo começa no vero início da vida cristã, algo que deve acontecer logo, imediatamente após a conversão. O novo convertido pode não saber as verdades da Bíblia, o corpo doutrinário ou a tradição da igreja, contudo ele pode testemunhar da sua conversão, todo crente pode e deve.

O segundo relato é análogo ao primeiro, trata-se da conversa de Jesus com a mulher de uma cidade da Samaria (Jo 4:19-30 e 39-42). Naquele caso não foi preciso nem que o Senhor mandasse que ela testemunhasse do seu encontro com ele. A mulher ao crer em Jesus como o Deus Eterno (Jo 4:26-28), deixou o seu cântaro ao lado do poço e voltou rápido para a cidade, falando do Cristo que havia encontrado. Resultado? “Muitos samaritanos daquela cidade creram nele, em virtude do testemunho da mulher…” (Jo 4:39 – itálico meu). Creio que se faz urgente repensarmos e refazermos a nossa estratégia para transformar novos cristãos em missionários. Um novo convertido possui uma das maiores redes de relacionamentos com pessoas que precisam da salvação em Jesus, e o mestre os transformava em missionários em apenas 30 segundos.

 

Treinamento: Exemplo, Capacitação e Duplicação

 

Aqui está uma área que temos errado muito, tanto pastores, quanto membros das igrejas. A pesar do contexto moderno pedir por líderes “especialistas”, é ainda muito comum nas nossas igrejas, a idéia do pastor faz-tudo, pau-para-toda-obra. O líderes ou pastores que abraçam esta filosofia de ministério, por um lado refletem o desejo de servir da melhor e da mais ampla maneira possível, mas, por outro lado, mostram a falta de percepção de si mesmos como líderes e missionários capacitadores. Ao olharmos para Jesus encontraremos uma ênfase muito clara e forte na formação do caráter dos seus discípulos, e não na preparação para que eles assumissem cargos. Tal formação pode ser descrita como treinamento pelo exemplo. O Mestre ensinava à medida que vivia o que ensinava. É, então, a partir desta plataforma visual e perceptível, onde um modelo é oferecido como ensino, que os discípulos são convocados a praticar o que aprenderam – capacitação. Note a seqüência comentada de João 17:18: “Assim como Tu (Deus Pai) me enviaste ao mundo (Cristo obedeceu, veio pregou e deu o exemplo aos seus discípulos), também eu os enviei ao mundo (processo de capacitação e duplicação)”. O Apóstolo Paulo reforçou a mesma proposta ao escrever para a igreja de Éfeso, ao afirmar que Deus constituiu pastores, evangelistas, profetas e mestres, “com vistas ao aperfeiçoamento dos santos” (Ef 4:16). Isto significa que, como parte da ação missionária encontramos o fazer discípulos. Para tal, a liderança da igreja precisa ser modelo (I Tm 4:12), e como modelo visível, capacitar a outros para também imitarem a Cristo, criando um ciclo duplicador.

O Inegociável Tempo para Oração

As múltiplas tarefas da igreja somadas ao corre-corre urbano, estresse rush e tempo gasto no trânsito lento, some-se ainda o tempo que se passa nas filas dos bancos e nas idas repetidas às repartições públicas, e mais os telefones que não param de tocar, tudo isto funciona como um verdadeiro aspirador que suga nosso tempo para orar. Parece que hoje não temos mais as mesmas 24 horas diárias, que Jesus teve enquanto esteve entre nós. A nossa obra missionária não pode prescindir da oração. Com freqüência me vejo tentado pelas muitas atividades do ministério, a diminuir o tempo de oração para poder fazer mais uma coisinha (Ativismo puro!). Parece até que somos tão necessários na obra do Senhor, que se pararmos de fazer o que estamos fazendo, a obra parará irremediavelmente (eu precisaria nunca ficar doente e principalmente não morrer para isto ser verdade). Jesus nos ensinou a sempre orar, e orar sem desanimar (Mt 26:41). Oração não é uma questão de tempo, mas de prioridade de tempo. Ao orarmos, além de obtermos o oxigênio espiritual para nossas almas, declaramos a nossa total dependência de Deus. Alguém já disse que missão sem oração é pura confusão. Nosso século de fast food, de plug-and-play e de vapt-vupt grita para nós, líderes e pastores: “vamos logo, faça, faça, não pare para nada, olhe para a montanha de trabalho, corra, ande logo…”. Não estou fazendo a apologia da preguiça ou de um ministério descompromissado com a urgência da missão que nos foi cofiada. Olho para Jesus e com ele aprendo que é preciso dedicar tempo para orar, principalmente quando a missão exige de nós muito tempo e mais trabalho. Experimente praticar este paradoxo: Quando tiver mais coisas do que você normalmente tem para fazer, reserve mais tempo para orar.

 

A Sensibilidade para com o Público Alvo

Muito se tem escrito hoje sobre a necessidade de contextualização. Rejeitando qualquer associação ou direcionamento que nos conduza ser missionários dirigidos pelo público alvo, defino contextualização como sensibilidade e adaptação da forma (jamais do conteúdo) da mensagem do Evangelho. Este terreno pode se tornar instável, e até dúbio, se não explicitarmos adequadamente o que pensamos. Deixe-me expor o que quero enfatizar a partir do próprio Jesus. O caso da mulher cananéia é bem pertinente (Mt 15:21-28). Jesus sabendo que ela era gentia, lhe expôs a prioridade judaica do Messias (Mt 15:26), todavia o Mestre não foi insensível a fé daquela senhora. Tal fato nos revela sensibilidade para com quem nós pregamos. Outro caso é a cura do paralítico que é descido “inoportunamente” na sala. Imagine você ali, naquele local, aprendendo com o Mestre e, de repente, aparece uma cama descendo do teto, provocando prejuízos materiais na casa, interrompendo a reunião e interferindo na palavra de Jesus e pedindo ajuda (Lc 5:17-20) – imagine isto acontecendo durante um sermão seu. Como nós agiríamos em tal situação? Note que o Senhor mudou a sua agenda por sua sensibilidade ao novo contexto. Ele perdoou a pessoa com fé (Lc 5:20) e atendeu as necessidades do paralítico (Lc 5:24). Viver e cumprir a missio Dei hoje, implica em direcionar mais nossas agendas para as pessoas do que para as tarefas, o temos de fazer ou preparar. Significa personalizar a atenção em um mundo onde as pessoas são tratadas apenas como números, e aqueles que as atendem estão ávidos para dizer: “O próximo”. Imitar a Jesus é o que chamo de sensibilidade missionária para com o público alvo urbano na nossa pregação e diaconia.Ser sensível ao público alvo não é modelar a adoração ao pecador, mas flexibilizar o adorador. Não se trata de negociar ou barganhar doutrina para ter mais pessoais na igreja, mas fazer a doutrina realidade na realidade daqueles que Deus nos ordenou ir e pregar, discipular e pastorear.

 

Bibliografia

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